sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Memórias de Casablanca



Para iniciar minha trajetória de escritor desse blog, senti a vontade de rememorar o filme que, para mim, simboliza o supremo de excelência a que uma obra cinematográfica pode chegar, representando também princípios básicos do que é o próprio cinema estadunidense. Um filme que, de tão influente e marcante, passou a servir de modelo para diversas histórias de amor e guerra, para diversos enredos envolvendo homens durões de coração mole, que se escondem atrás de uma carapaça de cinismo e de doses cavalares de uísque. Esse filme foi lançado em 1942, e chama-se Casablanca. Para quem não conhece, e quer saber um pouco mais sobre cinema em geral, corra para conhecer. Para quem não gostar do filme, eu desejo uma agonia longa e solitária.
Mas vamos ao nosso astro da noite. Não falarei especificamente do enredo do filme, nem de suas imensas qualidades técnicas. Lógico que irei me referir ocasionalmente a isso, mas a ideia aqui é desnudar minha alma de cinéfilo e tentar mostrar àqueles que me lêem porque esse filme não é só fundamental para a história do cinema, como também para a minha história. A primeira vez que assisti a Casablanca foi por influência da minha avó, que possuía uma cópia em VHS do filme, gravada nas madrugadas da Globo. A fita ainda está aqui em casa, e ela possui um problema grave. A cópia gravada da TV é uma versão colorizada do filme, com uma dublagem em português que, em diversas cenas, muda um pouco o sentido do que é dito. Duas características marcantes do filme já são aí destruídas: a bela fotografia em preto e branco e o extraordinário roteiro, apontado por muitos como o melhor da história do cinema. Ainda considero o roteiro de Cidadão Kane (1941) o maior exemplo de qualidade inovadora de texto na história do cinema, mas mesmo assim o roteiro de Casablanca é uma pérola de fazer arregalar os olhos. Diálogos precisos, com uma ironia deliciosa; personagens complexos e cativantes; uma deliciosa mistura de gêneros que impede que o filme seja apenas um romance ou apenas um filme de espionagem em tempos de guerra.  Essas qualidades fazem com que essa história de amor e de sacrifício (como o são muitas das histórias de amor), se destaque mesmo numa cópia prejudicada pela colorização e pela má adaptação dos seus diálogos. A velha fita gravada da Globo não foi suficiente para me tirar o encanto do filme, encanto que foi constantemente renovado ao longo dos anos. Casablanca foi um filme com o qual eu cresci, e que foi decisivo para minha formação como apaixonado por cinema, e também, porque não, como pessoa e como historiador. A cultura que carregamos e vivemos é o que faz de nós o que somos.
É terrível pensar que essa obra-prima poderia não ter sido concluída, já que sua filmagem foi extremamente atribulada, com o roteiro sendo reescrito dia após dia. Sim, o roteiro tão brilhante, que serve de modelo em oficinas de roteiro para escritores aprendizes, não foi construído de maneira calma e bem calculada, foi feito na correria e sendo adaptado às necessidades imediatas. Isso acaba por falar a favor do profissionalismo dos roteiristas – e irmãos gêmeos - Julius e Philip Epstein , e é bom que seus nomes fiquem registrados. Essa correria, diz a lenda, influenciou o humor do astro Humphrey Bogart (um galã improvável, totalmente fora dos padrões de beleza hollywoodianos), que se tornou azedo e construiu assim a couraça exterior que caracteriza seu personagem, o anti-herói Rick Blaine, proprietário do Rick’s Café, o maior point em Casablanca, Marrocos, durante a Segunda Guerra Mundial. Sendo o Marrocos território francês, e a França estando ocupada pelos nazistas, oficiais alemães acabam por estender sua presença à colônia africana. Eis que um dia entra no Rick’s Café um líder heróico da Resistência contra os nazistas, Victor Laszlo (Paul Henreid) acompanhado de sua esposa, Ilsa (Ingrid Bergman, no auge da carreira e com um dom incrível para iluminar a tela). Porém, Rick já conhece Ilsa de outros tempos, e esses tempos voltam à tona, ao som da canção As Time Goes By, e da trilha sonora de Max Steiner. Se querem saber o resto, assistam ao filme, acompanhem atuações sensacionais de um grande elenco coadjuvante, vivenciem tensão, romance, heroísmo e, o que é mais importante, sacrifício por uma causa.

Muitos dizem que o filme deixa em segundo plano o enredo relacionado à guerra para dar destaque ao romance, que é o fio narrativo do filme. Isso é verdade até certo ponto. A narrativa se concentra no romance, mas em nenhum momento o enredo afirma que o relacionamento entre duas pessoas (ou três) é mais importante do que todo o cenário político e histórico mundial. Como diz Rick, em uma das muitas – e são realmente muitas – frases memoráveis do filme:  “Os problemas de três pessoas não significam grande coisa nesse mundo louco”. Mas assistam, ou reassistam, e julguem. E também descubram, ou redescubram, porque tantos cinéfilos e produções culturais recorrem à expressão “We’ll always have Paris”.   

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